Contos, textos, ensaios... Pedro Aruvai

terça-feira, 20 de abril de 2010

O tédio



UM CONTO CONTADO ASSIM.

O tédio


A noite estava um tédio. Dessas noites imperfeitas para a gente mas perfeitas para o tédio nos entediar. Quando se espera um telefonema, o telefone não toca. Ninguém aparece. Ficar sentado no sofá olhando a TV quase sempre repetindo coisas. Coisas repetidas são chatas! Tediosas! Já tantas vezes vistas! A programação repetida na TV é um saco! A mesma programação de sempre, os mesmos personagens, as mesmas historias, os mesmos comerciais... a TV é um tédio!

As paredes do quarto de tão conhecidas parecem aborrecidas. De tão olhadas pelos mesmos olhos já não se ver nem mais desenhos estranhos nelas. Os desenhos sumiram! Se desfizeram e não se fazem mais! Até os desenhos deixaram as paredes. Entediados desse quarto, de mim, de meus olhos que tanto encontrava-os, nos seus contornos silenciosos, nos seus mundos abstratos desconhecidos. Encontrava-os sem procurá-los. Se mostravam, queriam aparecer, eram desenhos inúteis talvez querendo ser arte, agora que procuro eles não aparecem. Talvez tenham ficados aborrecidos comigo!

Se raciocinassem, se pensassem, fossem conscientes, poderiam achar que eu sou mais inútil que eles. Mas eles são apenas figuras criadas, encontrados nas paredes onde as vezes nem há desenhos. Mas eles existem, estão lá, olhando quem lhes olham, nem todos estão prontos, alguns são apenas rascunhos, que mudam de forma dependo do grau de visão de quem lhes olham. Não foram desenhados por nenhum desenhista, por isso são livres, a maneira que se mostram para os olhos de quem quer ver. De quem sabe ver. Figuras estranhas e até vulgares, nenhum santo!

Velhas paredes que não saem do lugar. Não falam, não gesticulam, não riem, são paredes! Espera-se pelo menos um pedaço do reboco caindo. Não cai! Insetos voam para aborrecer os ouvidos. Insetos tem asas e homem não tem! As horas correm depressa e sem frescura. Se amarrassem os ponteiros ou parassem os relógios digitais as horas continuariam passando! Os relógios não são os donos do tempo, eles apenas marcam o tempo que passa. Desligar a TV é a melhor solução. Olhar para a rua pela janela para ver a mesma rua de sempre. As mesmas pessoas. O barulho dos mesmos motores. Tudo é o mesmo tédio! O tédio é angustiante. Sair ? Parece ser a única saída!

A cidade oferece muita coisa. Tudo coisas velhas, repedidas, pessoas bêbadas, irritante, falando besteira, nos balcões, nas cadeiras às mesas dos bares. Mulheres feias dando risada. Mulheres bonitas falando com orgulho, olhando por cima dos ombros para ver entrar algum homem bonito. Tudo é chatice desse mundo tedioso! Se chega a conclusão que o mundo é um saco! Respirar fundo não é o remédio. Tomar agua da geladeira também não quando não se tem sede. Agua gelada dói nos dentes! E só tem gosto de agua gelada. Qual é o gosto da agua gelada ? Passa pela goela e vai embora matar a sede.

Comer chocolate. Sorvete! Qualquer coisa que mude o gosto da boca e a vontade de dá um grito. Os vizinhos escutarão e pensarão que é loucura. Os vizinhos adoram a loucura dos outros! Carniceiros de plantão! Estás enlouquecendo ? Mundo de merda! Fechar a janela batendo com força para satisfazer a raiva. Dá um chute no sofá. O dedo do pé dói. Já é alguma coisa. A dor é sempre alguma coisa a mais! Mas não muda nada. Não socorre as vítimas do sofrimento. A dor só tortura quem já é vitimado! Para que a dor ? Se tivesse dinheiro tudo mudaria, talvez!

Tudo é a droga do dinheiro. Então não há tédio. O tédio é a falta dessa droga chamada dinheiro. Pessoas que tem dinheiro estão se divertindo agora. Bebendo qualquer porcaria, uísque, cerveja, chope, champanhe, acompanhado de amigos, belas mulheres, dançando, sorrindo... então o problema é a falta do dinheiro. Todo mundo sabe disso! Para que repetir ? Cuspir para cima para ver onde vai cair o cuspe. Não é a solução. Sair parece lógico. Qual é a logica do tédio ? Não há logica, é só para entediar.

O tédio pode ser esse quarto, essa casa, esse lugar rodeado de paredes sem desenhos. Está sozinho, o tédio vem fazer companhia. A rua oferece um monte de besteira para se ver, para se fazer, o que se faz na rua quando se está entediado ? Ver as pessoas! Cansado de ver gente. As ruas. Cansado de ver ruas. Como se os olhos não estivessem entendiado de ver essas coisas tediosas todos os dias, como um filme repetido diariamente! Casas, prédios, avenidas, pessoas indo e vindo, carros passando, um tédio!

Tomar uma cerveja. Pegar a carteira, olhar o dinheiro, é pouco o dinheiro que tem, mas dá para uma cerveja. Calçar os sapatos, procurar uma camisa. Qualquer uma! Está boa essa! Pegar as chaves da porta. Ainda pensar: a rua é a solução para o tédio ? Vamos ver! Arriscar abrir a porta e sair, fechar a porta e caminhar pelo corredor até o elevador. Apertar o botão do elevador, esperar uns segundos, portas se abrindo no corredor, pessoas falando, caminhando pelo corredor. São vizinhos que estão vindo tomar o elevador. Não querer encontrar vizinhos nesses momentos, é bom evitar!

Descer pelas escadas. Parado no andar de baixo, as pessoas ainda estão no andar de cima, conversando, segurando a porta do elevador. Continuar a descer pelas escadas. Cada degrau que desce da escada falando baixinho um palavrão. A luz automática apaga. Esperar acender, ninguém acende. Ficar no escuro, descer as escadas no escuro. Antes de tropeçar no degrau de baixo, resolver acender as luzes das escadas. Luzes apagadas é uma droga! Não se enxerga quase nada! Chegar a portaria. Passar pelo portão e ganhar a rua. A rua é a mesma, como sempre, o movimento de gente que não sabe o que quer. É o tédio das ruas. Carros e pessoas passam. Ficar um tempinho em pé na calçada, decidindo para que lado seguir.

Pessoas passam para todos os lados. Tanto lado existe nessa cidade e as ruas levam a todos os lados. A decisão é sempre por um lado e não se sabe porque se escolhe esse lado para seguir. Levado pelos pés, as pernas tem culpa, o desejo da mente, que decide, dos olhos que escolhem, que ver e guiam. Os braços que não sossegam, sempre balançando, para frente e para trás. Esse é o destino decidido a tomar, sem se perguntar por que. Segue-se a esmo, porque é sempre a melhor direção, o esmo, o destino de todos os destinos, que nos leva a todas as direções. E a direção mais certa nesses momentos é não ter uma direção certa...

"UM CONTO CONTADO ASSIM"

-O tédio-

"Terça-feira, 20 de abril de 2010"
"Autor: Pedro Aruvai"

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O cadastro




UM CONTO COTADO ASSIM
"O cadastro"



Nos dias de hoje as pessoas andam meio desesperadas,
querendo vender de tudo, comprar de tudo,
conseguir algum dinheiro, para isso fazem qualquer coisa.
O comercio para vender seus produtos ataca as pessoas,
aborda a todos sem cerimônia e já vai expondo tudo o que
acha que a pessoa precisa para comprar.
O mundo do comercio está totalmente enlouquecido!
Fazem qualquer cadastro, qualquer ficha a qualquer pessoa,
mesmo sem a pessoa querer e sem saber para que serve.
Cadastro para cartão de crédito, para empréstimo, para pesquisa, para sorteio, para vantagens sabe-se lá do que, é impressionante!
Outro dia só porque me encostei num desses balcões onde
ficam desses atendentes, sem nenhuma intensão, veio logo
um moço me atender. Sem que eu pedisse-lhe nada, sem lhe chamar para ser atendido, o rapaz chegou e foi logo me atendendo.
Pegou duns papéis, desses de fazer fichas, cadastros e etc e começou a escrever. Enquanto preenchia o cadastro que não sei para que era,
me falava um monte de coisas, das ofertas, das promoções, das vantagens, dos benefícios, das promessas maravilhosas do mundo comercial. Escutava-lhe calado, observando o seu preenchimento e ouvindo suas palavras rápidas sem entender quase nada.
Por fim parou por um instante e perguntou meu nome.
Por educação resolvi falar, já que eu estava ali,
não havia problema algum.

-Machado de Assis. -disse-lhe.
De imediato começou a escrever meu nome nos quadrinhos
das folhas de cadastro. Mas percebi que ficou meu confuso,
talvez tenha achado estranho esse nome.
Olhou-me, certamente pensou em falar algo, não falou,
escreveu meu nome no papel.

-José de Alencar. -disse-lhe quando vi que havia terminado
de escrever o Assis.

-Como ? -indagou confuso, me olhando.
-José de Alencar. -repeti.
-José de Alencar ? -perguntou me olhando ainda mais confuso.
-não é Machado de Assis, o seu nome ?
-Sim. -disse e lhe expliquei- Machado de Assis, José de Alencar. -concluir.
Percebi que quis sorrir, mas conteve-se e completou o nome,
certamente pensando ser uma brincadeira. Quando acabou,
eu concluir o resto do meu nome.
-Cruz e Souza.
Nesses cadastros é preciso deixar o nome completo.
Pelo jeito que me olhou deve ter me xingado. Eu devia está
zoando com a cara dele. Ficou meio sem vontade de escrever
o resto do nome. Balançando a caneta na mão, me olhando sem
saber o que perguntar. Resolvi lhe ajudar, disse-lhe ser meu
nome de verdade, meu pai se chamava Machado de Assis, José
de Alencar. De imediato ele me perguntou:

-E Cruz e Souza ?

-de minha mãe. -respondi.

Não muito satisfeito completou meu nome na folha de cadastro. Passou-me os papéis e disse para falar com a moça no outro balcão. Peguei os papéis, ainda não sabia o que era aquilo, para que servia, mas resolvi ir até a moça. A moça me pareceu simpática, bonita, e para ser aprovado precisava passar por ela. O cadastro estava pronto, não me custava nada ir a moça. Me recebeu com simpatia, sorriso no rosto, entreguei-lhe os papéis. Olhou direto no meu nome.
-então senhor... Machado de Assis ?
-sim. -respondi tranquilo.
Percebi que quis sorrir. Talvez quando leu o resto do nome.
-José de Alencar. -quase num murmurio, ela falou.
-também. -respondi.
-eram escritores, não eram ?
-meu pai.

-os dois ?
-não! Quero dizer: meu pai me deu esse nome.

-mas os dois eram escritores...
-sim. Claro!

-e Cruz e Souza ?

-poeta.

-seu pai era poeta ?

-não! Cruz e Souza era poeta.

-então seu pai homenageou os três ?

-minha mãe.

-como assim ? O senhor disse que foi seu pai...
-Machado de Assis e José de Alencar, do meu pai. Cruz e Souza,
de minha mãe. Entendeu ?

-entendi.
-respondeu meio confusa, me olhando de soslaio,
a moça olhava meu cadastro, que ainda eu não sabia se era
cadastro ou ficha e para que servia.

-então, senhor Machado, o que vai comprar na nossa loja hoje ? Aproveite nossas ofertas!

-nada!

-nada ?
-nada. Não preciso comprar nada.

-o senhor só veio fazer o cadastro...

-é... fiz! O moço ali insistiu tanto...

-o senhor trabalha no que ?

-não trabalho.

-não trabalha, senhor Machado ?
Me olhava de soslaio, indagativa, me prescrutando, revirando
os papéis do cadastro nas mãos.

-não. Sou aposentado. -respondi.

Fixou os olhos em mim, pareceu espantada.
-aposentado ? Mas me parece tão moço. Não tem registro
em carteira ?

-não.
-comprovante de renda ?
-não.

-e o comprovante da aposentadoria ?

-não tenho comprovante.

-como assim ?
-não recebo comprovante. Eu mesmo me aposentei.
Por conta própria. Resolvi não trabalhar mais. Então estou aposentado.
-entendi... -murmurou a moça, olhando-me de lado,
quando colocou os papéis sobre o balcão e disse: -já que o senhor
não tem comprovante de renda...

-não posso me cadastrar ?

-infelizmente, senhor Machado...
não posso aprovar o seu
cadastro sem um comprovante.
-tudo bem.

-mas se o senhor quiser, volte aqui outra hora, traga um
comprovante de renda que nós aprovaremos o seu cadastro.

-obrigado, moça.
-de nada.

Antes de sair da loja, um outro fazedor de cadastro me parou,
com sua prancheta na mão e uma caneta.

-Já fez seu cadastro ? Vamos fazer ?

"UM CONTO CONTADO ASSIM"
-O cadastro-
"sexta-feira, 02 de abril de 2010"
"Autor: Pedro Aruvai"