Contos, textos, ensaios... Pedro Aruvai

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O tédio - parte 3



O TÉDIO - parte 3

Tentar esquecer essas coisas, livrar-me do tédio antes de
voltar para casa. A casa é o berço do tédio! Resolvo caminhar
a esmo, deixar as pessoas olhando as inutilidades das
vitrines, coragem não tenho para praticar as coisas pensadas.
Ponho as mãos nos bolsos e caminho a toa pelas ruas, sem
importar que rua sigo, nem o destino seguido. Tanto faz! Ali
tem um bar, gastarei o pouco dinheiro que tenho, tomarei
umas cervejas e volto para casa.
O bar quase vazio. Três mulheres sentadas a uma mesa
observo logo ao entrar. Sento-me sozinho a uma mesa num
canto de onde posso ver todo movimento. Olho em volta e
pouca coisa agradável aos olhos. O garçom me traz uma
cerveja. Abre a garrafa e me serve automaticamente. Já está
acostumado. Faz isso a muito tempo! Levar a cerveja onde
está o cliente, abrir a garrafa e despejar o liquido no copo.
Tomo os primeiros goles do liquido gelado e percebo que uma
das moças da mesa ao lado olha insistentemente para mim.
Seria a mais bonita das três ? Não tenho como saber, pois não
posso ver o rosto de uma delas, porque está com as costas
voltada para a minha visão. Imagino que, a que me olha seja a
mais bonita. Imagino e desejo. Fico a pensar!
Esqueço tudo levando o copo de cerveja à boca. “eu sei
quem eu sou.” Penso amargamente engolindo o liquido gelado
e tanta coisa vem à cabeça. Não precisava trazer meu mundo a
esse lugar, nesse momento e desse jeito. Sou uma dessas
pessoas que não conseguem controlar os pensamentos. O
aluguel atrasado a mais de três meses. Talvez quatro! Perdi as
contas dos meses atrasados. Não sei quanto tempo vou
conseguir enrolar a proprietária do imóvel, que por diversas
vezes ameaçou jogar minhas coisas na rua, mas sempre
consigo contornar a situação com promessas e pagamentos
de pequenos pedaços da dívida.
A luz já foi cortada, estou usando luz clandestina. Fiz uma
gambiarra, o popular gato, na fiação do apartamento vizinho.
Uso tão pouca luz que o vizinho nem desconfiou ainda. Talvez
nunca perceba! Registro em carteira faz mais de dois anos que
não tenho. Talvez três! Perdi as contas também do tempo
desempregado. Vivo fazendo pequenos bicos pela cidade. Um
dia aqui, outro ali para sobreviver. Começo a rir de minha
situação. Rir sozinho numa mesa de bar parece estranho.
Preciso me compor, afinal estou num lugar publico e sinto-me
sendo paquerado por uma moça. Talvez esteja enganado! Mas
não há outra pessoa nessa mesa onde estou. Não há ninguém
comigo. Só pode ser para mim que aquela moça está olhando.
Fico pensando essas bobagens.
Levando o copo de cerveja à boca: “paquerado por uma
moça” Penso enquanto os olhos miram na direção da mesa
onde estão as moças. “aquela continua me olhando”. Os
miseráveis também paqueram! Zombo de minha
miserabilidade. Melhor que ficar nervoso, como as vezes fico,
mas não resolve nada. Essa situação de pobreza que vivo me
deixa irado. Viro o rosto para o lado, fico de olhar perdido na
noite tediosa. Aquela moça não sabe de minha situação! Se
ela soubesse quem sou, sequer me olharia.
O garçom se aproxima e nem percebo, fala da moça da
mesa ao lado, mandou-me um torpedo. Leio desinteressado.
Olho para as moças e parecem-me moças de condições
financeira melhor que a minha. Fico pensando no quitinete
onde moro, paredes sujas e úmidas, pintura velha sem cor,
pedaços do reboco caindo, os tacos do piso solto, lâmpadas
penduradas no teto, sem lustres, apenas o soquete pendurado
no fio segurando a incandescente. Chuveiro sem resistência,
tenho tomado banho frio, a resistência queimou a mais de dois
meses, só compro uma nova quando o inverno chegar! Essa
não é hora nem é lugar de pensar nessas coisas! Mas não
consigo controlar nem afastar esses pensamentos. Tomo mais
um gole olhando para as moças.
As pessoas não sabem da gente e acham que a gente é
coisa que presta. Coisa que valha! Só a gente sabe o que a
gente é e sente nesses momentos. O velho ditado diz que,
quem ver cara não ver coração. Melhor seria nem ver a cara.
Evitaria mexer com o coração! O coração as vezes presta
tanto, mas se engana com a cara. No meu caso nem era a cara
nem tampouco o coração, mas a situação financeira. Ali eu era
um nada no meio do mundo, sentia-me assim, a possibilidade
de uma companhia feminina expressada nos olhos daquela
moça, numa noite tomada pelo tédio, melhor nem ver a cara
dos olhos que me sorriam.
Os pensamentos continuavam a me maltratar. Revelandome
o que eu era num momento e num lugar errado. Mas eu era
isso e não havia como me negar. Sofá na sala não tenho.
Apenas uma cadeira que faz parte da mobilia do apartamento.
As cortinas também fazem parte da mobilia, mas tão velhas e
sujas que estão se rasgando. Resto de cortinas que não
serviam nem para ser pano de chão. No quarto a mobilia, uma
cama de solteiro e um velho colchão já sem forro, a espuma
cheia de furos. Um guarda roupa sem porta e apenas uma
gaveta, alimentando os famintos cupins silenciosos. Uma
televisão pequena e um velho radio FM, tudo pertencente a
proprietária do imóvel, que me alugara como “imóvel
mobiliado”. E essa era a mobilia. Tenho apenas umas três
peças de roupas, um sapato semi novo e outro velho, este que
estou calçando, e um chinelo de dedo, é tudo que tenho! Volto
a olhar para as moças, aquela continua me olhando,
esperando uma resposta minha ao seu torpedo talvez.
Só tenho o dinheiro dessa cerveja. Não tenho dinheiro
para taxi. Se ela quiser conhecer minha casa ? Levar uma
moça dessa para meu apartamento seria loucura! O que
fazer ?
O garçom servindo as pessoas, a moça insistia em me

olhar, pensamentos cruéis tomando conta da minha cabeça:
“o que seria que ela estava pensando ao meu respeito ?” O
que uma mulher pensa de um homem quanto lhe manda um
torpedo e ele não age ? O garçom se aproximou, pedir que me
fizesse um favor, foi aonde estava a moça, deu o recado que
mandei e ela veio a minha mesa. Sentou-se delicada, tentando
ser gentil, educada e elegante. Pensei.
Começamos a conversar e enquanto a conversa rolava,
por muitas vezes pensei em lhe falar a verdade sobre minha
vida. Para que enganar uma moça tão bonita e gentil ? Fiquei
nessa indecisão sem saber que atitude tomar, sem coragem de
falar o que tinha em mente: a verdade ao meu respeito. No
desenvolver da conversa fui percebendo o que ela queria e eu
queria também, fui me envolvendo e me deixando se envolver,
e lhe envolvendo nas palavras fúteis da ocasião. Como dizer
não a uma mulher ? Mas seria necessário, eu só tinha o
dinheiro da cerveja! O problema é sempre a falta do dinheiro.
O que poderia me socorrer nesse momento ? Um amigo
faz falta nessas horas! Quando a moça foi ao banheiro, pensei
em duas coisas, se um bom amigo aparecesse por ali naquele
momento, pediria-lhe algum dinheiro emprestado. Porem se
não aparecesse nenhum amigo, teria que apelar para algo
horrível, que jamais pensara um dia praticar. O homem chega
a ter pensamentos baixos e a pô-los em práticas para sair de
situações embaraçosas!
Fiquei pensando num jeito de sair correndo daquele lugar,
atravessaria a rua e me perderia na noite, o garçom talvez me
seguisse gritando, cobrando-me a conta. Ninguém me
conhecia naquele local. Nunca havia freqüentado esse bar.
Que cena horrível! Que vergonha! Olhei para o rapaz
atendendo as outras pessoas e me sentir envergonhado. Seria
muita baixeza! Mas como sair dessa situação ? Contar a
verdade para a moça ? Seria talvez mais cruel. Dizer por
exemplo que não tinha dinheiro para pedir outra cerveja. Não
podia pagar um taxi para levá-la para casa.
Sabia das suas intensões. Também eram as minhas. Era a
primeira vez que a gente se encontrava. Mas hoje em dia as
coisas são assim mesmo. No primeiro encontro as pessoas se
entregam às intimidades. Mas como levá-la para um hotel ?
Nem podia convidá-la à minha casa. Não havia outra
alternativa se não sair correndo desse lugar, como quem
comete um crime. Precisava coragem, para qualquer decisão,
a de fugir ou a de encarar a verdade. No momento de descuido
do garçom, sairia de fininho, como quem não quer nada,
passaria àquela porta e depois de por os pés na rua, ninguém
mais me pegaria. Nunca mais retornaria a esse lugar.
Mas teria que tomar essa decisão e agir antes da moça
voltar do banheiro. Se um amigo não aparecia naquele lugar
nesse momento, o jeito era apelar para a covardia. Olhei para
as ruas e estavam pouco movimentada. Já era tarde. O garçom
estava no outro canto, distraído, servindo as pessoas, nem ia
perceber a minha saída. Sairia devagarzinho. Caso olhasse,
fingiria ir ao banheiro. Mas o banheiro estava do outro lado. O
garçom não notaria minha saída. Nunca havia feito algo
parecido. Não sabia como agir caso não desse certo. Mas
daria certo. Teria que ter coragem. Criei coragem. Seria agora.
Dei uma olhada rápida no ambiente para me certificar onde
estava o garçom e se não havia ninguém no bar me olhando.
Me levantei de onde estava sentado e... "continua "

O TÉDIO - terceira parte
AUTOR: Pedro Aruvai
05 de julho de 2010