Contos, textos, ensaios... Pedro Aruvai

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O tédio - parte 2

foto de Pedro Aruvai


UM CONTO CONTADO ASSIM.

O TÉDIO - parte - 2


Alguns passos pelas ruas bastam para perceber o tédio das ruas. Ruas todas iguais, mal iluminadas por luzes artificiais indecentes! Insetos voam em volta na sua estupidez, querendo ser importante, vencer a luz das lampadas. A cidade tem cores estranhas, ruídos incomuns, vozes pluralistas, figuras mal desenhadas, traçados tortos, esquinas indesejáveis, casas mal construídas misturadas a edifícios luxuosos, ambiente poluído, corrompido, perversões, ruínas, destruições, calçadas sujas, paredes pichadas, mentes perigosas, olhares traiçoeiros, pessoas tristes, pessoas alegres, pessoas solitárias em meio a multidão, desconhecidas de si querendo conhecer alguem, enfim a cidade é um misto de tudo que é bom de tudo que é ruim.

As pessoas são objetos do substantivo composto, umas sem verdade no rosto, pintadas para esconder o tédio, sorridente para disfarçar o medo, são sobreviventes aos quarenta, na insistência de encontrar um grande amor, que não seja tão grande, mas que seja tão bom quanto imagina. O amor é quase pecado para quem busca, quem oferece desconhece as razões do amor e se entrega as paixões revividas nos dias de angustias e tédio para alimentar a fome da carne, que tem desejos insaciáveis. Ando observando tudo! O argumento do mundo movimentado em silencio, e o silencio do movimento para movimentar o mundo. Estico o passo para não ser surpreendido por veículos. Os veículos são maquinas de metais conduzidas volúveis.

A luz vermelha do sinal que acende para segurar os veículos das ruas não são reconhecidas pelos veículos. Desobediência, buzina, aceleração, frada brusca, qual a razão de tanta impaciência com um sinal eletrônico ? Há quem gostaria de abrir o semáforo para passar sozinho, ir embora ao seu destino, as outras pessoas que ficassem paradas esperando a luz verde acender. O mundo deveria ser somente dessas pessoas! Por que tem filhos ? Por que tem amigos ? Por que moram em cidade ? Por que convivem com pessoas, parentes e vizinhos ? Somos todos bem parecidos, por isso somos todos diferentes!

A faixa de pedestre quase apagada. Não reclama de nada. Quantas pessoas pisam essa faixa por dia ? Quantos pneus sobre ela passam ? É apenas listras brancas de tintas sobre um asfalto preto, dia e noite, não muda a cor, e quando muda é porque está sendo acabada. O tédio faz ver essas coisas! Ouvir palavras! Sentir vontades! Querer fazer, mas frear os pés para não cometer loucuras! Reparar numas moças que passam, salto alto no asfalto faz barulho. O equilíbrio da mulher! Toda mulher é antes de tudo uma equilibrista. Se equilibra sobre esses altos saltos e caminha com toda naturalidade humana, umas até desfilam, sem tropeços nem mudança de rota, impressionante como o cérebro da mulher prepara o corpo para o equilíbrio do salto alto.

A realidade visualística do mundo atual é enganadora. É preciso ter cuidado com as coisas que se ver. Nem tudo é o que parece. E o que parece nem tudo pode ser! Há pessoas que gostam de ser diferente! O importante é ser, alguma coisa que mude o tédio. O jeito de ser o mesmo todos os minutos de todos os dias entedia. Fico com as mulheres! Melhor imaginar que sejam mesmo fêmeas! Pelo equilíbrio nos saltos. Pela maneira leve do andar. Pelo mexido dos quadris! O tédio não pode contrariar as coisas. Deixe os olhos se enganarem. A noite favorece o engano. O dia é claro, muitas vezes não esclarece nada, o esclarecimento vem depois. O depois as vezes é dolorido e perigoso.

Sacos de lixos acumulados pelas ruas. Exemplo de uma sociedade sem exemplo. Cachorros farejam os restos da miséria humana. Como a miséria humana fareja a vida do luxo. Vitrines coloridas! Luzes brilhantes se derramam para encantar os olhos do tédio. Parado olhando meu rosto no vidro. Vontade tenho de quebrar essa vitrine. Quebrar tudo lá dentro. Fazer uma grande bagunça. Atear fogo nos artigos de luxo. Pedir socorro para os bombeiros e ficar olhando de fora a situação. Dá entrevista para algum repórter da televisão, aparecer nos noticiários da noite. O repórter prepara a notícia para me entrevistar: aqui tem um rapaz que viu tudo o que aconteceu. E pergunta:

-você viu o que aconteceu ?

-sim vi. Um sujeito ficou aí parado por muito tempo...

-o que ele fez ?

-bem... depois de muito olhar para as vitrines, resolveu quebrar os vidros.

-como ele quebrou os vidros ?

-pegou uma pedra na rua e arremessou contra a vitrine.

-e depois o que ele fez ?

-entrou na loja e começou a quebrar tudo. Fez toda a bagunça e por fim ateou fogo.

-e você chamou a polícia ?

-foi... fiquei assustado, mas corri àquele orelhão e chamei a polícia e os bombeiros, quando ele ateou fogo e o fogo começou a queimar tudo...

-e o homem que fez isso, você viu para onde foi ?

-para aquele lado ali...

-como ele era ?

-um sujeito alto, magro, branco! Um cara muito estranho.

O repórter para de me entrevistar, começa a falar direto para a câmera para encerrar a matéria, fico por ali já pensando em me ver na TV algumas horas depois. Enquanto isso aprecio o trabalho dos bombeiros, apagando o fogo, a agitação da policia, a aglomeração das pessoas que adoram esses acontecimentos, sempre se juntam para apreciar essas coisas nesses momentos, a lamentação dos donos da loja. Esperava mais repórter de outras Tvs me entrevistando, queria aparecer em todos os canais, mas somente um repórter de uma TV que apareceu e me entrevistou.

No meio fio paralelepípedos enormes sorrindo. Estão todos seguros pelo asfalto, difícil de ser movido. Arrancar uma pedra dessa não é tarefa fácil. Parece que aparecer na televisão não é tão fácil assim! Ouço o barulho do choque da pedra contra o vidro da loja, o vidro quebrando, os pedaços caindo, o tédio sorrindo. Passo a mão no vidro da vitrine, a superfície plana, lisa, quente, aquecida pelas luzes que brilham lá dentro. Pessoas passam devagar, outras param olhando as vitrines, apontam para os artigos expostos, falam coisas, olhos desejosos; brinquedos, jóias, tênis, sapatos, roupas e muitas coisas inúteis para se vender. Umas vão, outras vem, acompanhadas, sozinhas, olhando os artigos das vitrines...


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O tédio - partde - 2
Autor; Pedro Aruvai
Maio de 2010