Contos, textos, ensaios... Pedro Aruvai

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O tédio - 4

O TÉDIO - 4

[…]



Não havia outra saída, teria que sair fugido desse lugar, passar aquela porta, tomar a rua e apressar o passo, não olhar para trás nem parar, mesmo que me gritasse. E se percebesse alguem atrás de mim, correria o quanto as pernas aguentassem. Seria agora, teria que tomar uma decisão, fiz menção de me erguer, porem havia me demorado demais em pensamentos indecisos, a moça estava de volta do banheiro. Parou à mesa onde estavam as amigas, deu umas palavrinhas rápidas, me olhando de lá e sorrindo, depois, dirigiu-se para onde eu estava. E eu estava pregado na cadeira cheio de pensamentos nefastos, cada um pior que outro, a fuga do bar sem pagar a conta, fugido, escondido, correndo pelas ruas escuras da noite como bandido.

Perdi a vontade de beber mais um pouco, de ficar naquele lugar, o tédio das pessoas, do bar, das ruas lá fora, do mundo, de mim, de tudo. O dinheiro que tinha também não seria suficiente para pagar mais uma cerveja. A moça chegou à mesa e eu sem saber que decisão tomar. Procurei me controlar do tédio para ela não perceber.

Propus-lhe sairmos daquele lugar, caminhando pelas ruas para nos conhecer melhor. Ela aceitou. “Talvez tenha encontrado a solução”, pensava, enquanto pagava a conta da cerveja e ela se despedia das amigas. Ela não tinha carro, e eu não conhecia nenhum taxista que fizesse uma corrida fiado. Fomos caminhando sem direção pelas ruas, não sei porque tomei o rumo de onde morava.

Talvez o hábito. Talvez algum sentido oculto. Ou mesmo o tédio me empurrando para casa, para meu mundo. Mas estava acompanhado e precisava me livrar da companhia. Não a convidei, nem sei se palavras intencionais falei, mas ela foi se conduzindo ou conduzida por um desejo que todo mundo conhece. Sem resistência e acho que sem convite, subiu ao oitavo andar para conhecer meu apartamento.

As vezes sem querer as coisas acontecem e a gente nem está preparado para quando essas coisas vierem acontecer. Foi assim. Ela não disse nada a respeito do prédio onde eu morava. Nem do pequeno apartamento. Nem da pacata mobilia. Estava mais interessada em outras coisas. Quando me lembrei que precisava de preservativo, já era tarde, ela não tinha, que vergonha! Eu também não. Mas, não podia deixar de acontecer. E aconteceu.



[…]



Depois de um dia de trabalho pesado, fui ajudar um amigo a levantar um muro no quintal de sua casa, trabalhamos o dia todo, até as dezenove horas. Cheguei a casa já passava das vinte e duas horas, cansado, as mãos, os braços e as pernas doendo; tomei um banho e cair no velho colchão de espuma para ser tomado pelo sono em poucos minutos. A situação continuava a mesma, pagava dois, três meses de aluguel e ficavam mais dois, ou três meses atrasados. A luz ainda era da gambiarra que havia feito, ninguém havia percebido, nem o vizinho nem a sindica. Não ia ficar no escuro, também não gastava muita luz, por isso não dava nem para desconfiar, e não dava muito prejuízo ao vizinho. O condomínio já havia perdido as contas dos meses atrasados. A sindica cansara de me cobrar, de cobrar à proprietária, as vezes ela pagava e me cobrava depois, quando tinha dinheiro lhe pagava junto com o aluguel. Porem já nem pensava muito nessas coisas, pois me eram aborrecedoras!



[…]



Alguem bateu à porta e pensei em que horas seriam ? O dia já estava claro. Já havia passado a noite ? Quando se está muito cansado a noite passa rápida, porque se deita e logo pega no sono, não há tempo para se pensar em bobagens, nem se acorda no meio da noite, a noite passa num sono único, tão rápida parece até que a noite ficou mais curta. Havia até esquecido qual dia era. Lembrei que era domingo. Domingo ? Por ser domingo era muito cedo para alguem bater à porta dos outros. Que horas seriam ? Não tinha relógio. Devia ser umas oito horas ? Oito e meia talvez! Insistiram a bater à porta. Seria a dona do apartamento para cobrar os alugueis atrasados ? Havia conversado com ela na sexta-feira, para não ficar preocupada, havia lhe dito; que quando conseguisse dinheiro ela seria a primeira pessoa que eu ia procurar para lhe pagar todos os atrasados. Sempre saía resmungando, mas acho que acreditava no que eu falava. O que queria uma hora dessa numa manhã de domingo ?

Mas poderia também ser a sindica! Essa mulher é chata! Não podia ser! O que ela queria comigo a essa hora da manhã de domingo ? Será que viera me cobrar os condomínios atrasados ? A semana inteira fala nisso! O prédio inteiro já sabe. Já falou para todos os condôminos que sou devedor. Não pode me ver que já vai falando. “o senhor precisa acertar as contas com o condomínio!” Terei que atender a porta ? E se não quiser atender ? Posso ficar aqui parado esperando que a pessoa bata a porta de novo até cansar e ir embora. Nesses momentos sempre aparecem os pensamentos terríveis. Quando se tem alguma culpa, se cometeu algum erro, parece que é o primeiro sentimento a se apresentar nesses momentos difíceis! “E se for o vizinho!” O vizinho ? Se ele descobriu a gambiarra que fiz na sua rede elétrica ? Estou consumindo a luz dele. Quanto tempo ele está pagando sem saber ? Mais umas batidas na porta e me pareceu mais forte.

“E se fingir que não estou ?” Não é possível que a pessoa derrube a porta. Tem ordem judicial ? Isso seria uma invasão. Não pode! Calma! Calma! Não deve ser o vizinho, ele não descobriu nada, a gambiarra que fiz foi bem feita. Ele nunca vai descobrir. Nem deve ser a sindica, se não já estaria gritando. Quem será então ? Ficarei quieto até a pessoa ir embora, ou abro essa porta ? Indecisão cruel!

Se tem que resolver o problema, que resolva-se logo. Vou atender e ver quem é. Caminhei até a porta e olhei pelo olho mágico. Esse olho está horrível, embaçado, não o limpo faz tempo e a proprietária não troca por um novo! Não dá para reconhecer a pessoa lá fora. Mas é uma moça. Quem será essa moça ? Será que não está batendo na porta errada ? Pode ser que tenha se enganado de apartamento. Ela está com alguma coisa nos braços. É uma criança que tem nos braços ? Será que bate na porta errada, numa hora dessa, num dia desse, manhã de domingo, me tirar da cama, e eu querendo dormir mais um pouco ? Vou abrir a porta e despachá-la, me livrar dessa moça e voltar para a cama.

Ela voltou a bater à porta e eu ainda indeciso. Olhei mais um pouco pelo olho magico. Já ia abrindo a porta quando de repente alguma coisa me fez parar e olhar de novo, me viera alguma lembrança do passado recente. Fiquei gelado e olhei com mais atenção, embora não desse para ver direito, pois a visão que o olho magico me dava era horrível, mas precisava ter certeza de quem era que estava batendo à minha porta. Apesar do esforço para reconhecer, o olho magico não possibilitava uma visão mais clara, porem algum sentido, se o sexto, se o sétimo, sei qual me dizia que a moça me trazia algum problema a mais para a minha vidinha pacata.

Não podia ser! Quase gritei. Murmurei desesperado por trás da porta, enquanto a moça no corredor já devia está quase desistindo. Ou não! Um horror passou pela minha cabeça: o preservativo! Voltei a olhar pelo olho magico para me certificar. Era ela! Tinha certeza. Mesmo não tendo uma visão tão nítida. E olhando para o apartamento pensei tristemente: não tenho nada na vida! Seis ou sete meses de condomínio atrasado. Três meses de aluguel. Luz cortada. Desempregado. Que faço ? Olhei para a janela. Seria um ótimo momento para fugir, me livraria dos aluguéis atrasados, dos condomínios e dessa moça. Se o andar que morava não fosse tão alto! Oitavo andar não dava para pular. Colocaria minhas roupas numa sacola de plástico de supermercado, pularia a janela e ganharia a rua, nunca mais aparecia nesse mundo. Oitavo andar! Fiquei repetindo essas palavras, pois esse era o problema, morar num andar alto. Se morasse no térreo, pelo menos no primeiro andar...

A moça insistiu batendo à porta. “Calma, deixa eu pensar no que fazer”. Pensei, murmurei, sei lá o que! Não havia outra saída se não abrir a porta e saber o que a moça queria. Teria que encarar a realidade. Abrir a porta com a cara de sono, disfarçando não reconhecê-la, tropeçando nas palavras. Fazia mais de um ano. Como poderia reconhecê-la. Como havia me encontrado ? Tivesse mudado de endereço! Era o que devia ter feito. “Arrependimento tardio não resolve os problemas dos erros cometidos no passado”. Fiquei imaginando enquanto ela falava. Queria assumir ou fazer o DNA ? Nem uma coisa nem outra. Por que não ? Não tenho dinheiro para fazer exame, nem para assumir. Não quis saber. Arrumasse um emprego. Se não teria que se ver com a justiça. Trouxe o bebê para mostrar-me. Conhecer o pai. Era a minha cara. Desconfiei que não fosse meu. Mas como saber ? Cara de bebê são todas iguais! Nem quis entrar. Só disse para que cuidasse em arrumar um emprego para pagar a pensão do filho.

O elevador chegou, abriu a porta e desceu. Fiquei boquiaberto, parado na porta sem saber no que pensar. Segunda-feira terei que sair para procurar emprego. A primeira coisa que me veio a cabeça. Já havia feito isso várias segundas, várias terças e quartas, e a semana toda, e os meses, mas nada havia conseguido. Meu filho! Finalmente me sentir como um pai. Fiquei tão estasiado que esqueci de lhe perguntar como faria para lhe ver de novo. Para ver o meu filho. Não sabia onde ela morava. Desci correndo pelas escadas para ver se ainda a alcançava, mas ela já havia deixado o prédio. Não sei se estava com tanta pressa, ou se ficou horrorizada com o que viu. Talvez tenha me demorado demais para abrir a porta. Para recebê-la. Depois que ela saiu quanto tempo fiquei ali parado na porta, a pensar em coisas tolas ? Agora não sabia o endereço dela, onde encontrá-la, nem mesmo o telefone havia me deixado.

Mas o impacto foi forte. Um filho que me aparece de repente. Ser pai numas condições de vida dessa que vivo! Subi as escadas de volta ao meu apartamento, com pensamentos nada nobre. Não saía da cabeça que eu não tinha nenhuma condição de assumir a paternidade dessa criança. Um filho! Era só o que me faltava! Voltei para a cama, ainda era cedo, as ruas da cidade ainda estavam silenciosas, favorecidas pelo dia que as pessoas tiram para descansar, e acordam mais tarde. Mas sono era algo totalmente distante de minha mente nesse momento.

Sentei-me a beira da cama, olhando fixo para as paredes, vários desenhos inúteis se mostravam sorrindo. Outros haviam percebido minha preocupação, aconselhavam-me a fugir. Fugir ? Fugir para onde ? Levantei-me, andei de cá para lá várias vezes a esmo pela casa. Cada vez que olhava para as paredes parecia que um desenho me dizia: foges! Foges! Ir para onde ? Arrisquei a pergunta tola, voz seca, no silencio da manhã de domingo, vindo de dentro de minha angustia. A cidade é grande! Qualquer coisa me respondera, uma voz qualquer, vindo de qualquer lugar. Parei no meio da sala. Qualquer pensão. Não era voz alguma, nem vinha de lugar nenhum, vinha do meu subconsciente. Uma vaga numa pensão! Um quarto numa casa de comodo.

Seria mesmo o melhor a fazer nesse momento ? Não podia assumir a paternidade daquela criança. Pelo menos nesse momento. Um dia quem sabe! Quem sabe um dia procuro por essa moça, para ver meu filho e assumir o meu erro. Não tinha nada para levar, algumas roupas, dois sapatos velhos e só. A velha mobília era do apartamento. Hoje era domingo, encontraria vaga nalguma pensão ? Abrir a carteira, o pouco dinheiro que havia ganhado na semana fazendo pequenos serviços, dava para pagar o aluguel de um mês numa vaga de uma pensão.

Sentei-me no chão da sala para refletir se valia a pena cometer esse ato. Saía do apartamento, com as roupas numa sacola, era tudo que tinha; fechava a porta do imóvel, deixava a chave com algum vizinho, ou jogava a chave no jardim, ganhava a rua e deixava tudo para trás, todos os problemas, os alugueis e condomínios atrasados, as gambiarras, uma moça que me aparece com um filho dizendo que é meu, e se meu for, quem mandou ela gerar esse filho. Naquela noite nem a convidei. Nem a forcei. Ela veio sem que eu exigisse. Nem pôs resistência a si mesma, mesmo vendo o meu mundo miserável. Me mando desse apartamento, desse mundo, e nunca mais sequer passo por essa rua...



“Caro leitor, essa historia é uma ficção, e, por assim ser, o personagem ainda não tomou uma decisão, se age conforme seu pensamento momentâneo, pega suas roupas e foge, desaparece, ou se permanece no apartamento, levando sua vidinha, fazendo pequenos serviços, procurando emprego e assume a paternidade do filho. Cada leitor terá sua visão e dará uma decisão final.”


OBRIGADO.



“Caro leitor, essa quarta parte é o final do conto, espero que tenha gostado, para quem leu as quatro partes, se não leu, leias as demais para melhor compreendê-lo.”


O TÉDIO”

4ª parte”

Autor: PEDRO ARUVAI





segunda-feira, 5 de julho de 2010

O tédio - parte 3



O TÉDIO - parte 3

Tentar esquecer essas coisas, livrar-me do tédio antes de
voltar para casa. A casa é o berço do tédio! Resolvo caminhar
a esmo, deixar as pessoas olhando as inutilidades das
vitrines, coragem não tenho para praticar as coisas pensadas.
Ponho as mãos nos bolsos e caminho a toa pelas ruas, sem
importar que rua sigo, nem o destino seguido. Tanto faz! Ali
tem um bar, gastarei o pouco dinheiro que tenho, tomarei
umas cervejas e volto para casa.
O bar quase vazio. Três mulheres sentadas a uma mesa
observo logo ao entrar. Sento-me sozinho a uma mesa num
canto de onde posso ver todo movimento. Olho em volta e
pouca coisa agradável aos olhos. O garçom me traz uma
cerveja. Abre a garrafa e me serve automaticamente. Já está
acostumado. Faz isso a muito tempo! Levar a cerveja onde
está o cliente, abrir a garrafa e despejar o liquido no copo.
Tomo os primeiros goles do liquido gelado e percebo que uma
das moças da mesa ao lado olha insistentemente para mim.
Seria a mais bonita das três ? Não tenho como saber, pois não
posso ver o rosto de uma delas, porque está com as costas
voltada para a minha visão. Imagino que, a que me olha seja a
mais bonita. Imagino e desejo. Fico a pensar!
Esqueço tudo levando o copo de cerveja à boca. “eu sei
quem eu sou.” Penso amargamente engolindo o liquido gelado
e tanta coisa vem à cabeça. Não precisava trazer meu mundo a
esse lugar, nesse momento e desse jeito. Sou uma dessas
pessoas que não conseguem controlar os pensamentos. O
aluguel atrasado a mais de três meses. Talvez quatro! Perdi as
contas dos meses atrasados. Não sei quanto tempo vou
conseguir enrolar a proprietária do imóvel, que por diversas
vezes ameaçou jogar minhas coisas na rua, mas sempre
consigo contornar a situação com promessas e pagamentos
de pequenos pedaços da dívida.
A luz já foi cortada, estou usando luz clandestina. Fiz uma
gambiarra, o popular gato, na fiação do apartamento vizinho.
Uso tão pouca luz que o vizinho nem desconfiou ainda. Talvez
nunca perceba! Registro em carteira faz mais de dois anos que
não tenho. Talvez três! Perdi as contas também do tempo
desempregado. Vivo fazendo pequenos bicos pela cidade. Um
dia aqui, outro ali para sobreviver. Começo a rir de minha
situação. Rir sozinho numa mesa de bar parece estranho.
Preciso me compor, afinal estou num lugar publico e sinto-me
sendo paquerado por uma moça. Talvez esteja enganado! Mas
não há outra pessoa nessa mesa onde estou. Não há ninguém
comigo. Só pode ser para mim que aquela moça está olhando.
Fico pensando essas bobagens.
Levando o copo de cerveja à boca: “paquerado por uma
moça” Penso enquanto os olhos miram na direção da mesa
onde estão as moças. “aquela continua me olhando”. Os
miseráveis também paqueram! Zombo de minha
miserabilidade. Melhor que ficar nervoso, como as vezes fico,
mas não resolve nada. Essa situação de pobreza que vivo me
deixa irado. Viro o rosto para o lado, fico de olhar perdido na
noite tediosa. Aquela moça não sabe de minha situação! Se
ela soubesse quem sou, sequer me olharia.
O garçom se aproxima e nem percebo, fala da moça da
mesa ao lado, mandou-me um torpedo. Leio desinteressado.
Olho para as moças e parecem-me moças de condições
financeira melhor que a minha. Fico pensando no quitinete
onde moro, paredes sujas e úmidas, pintura velha sem cor,
pedaços do reboco caindo, os tacos do piso solto, lâmpadas
penduradas no teto, sem lustres, apenas o soquete pendurado
no fio segurando a incandescente. Chuveiro sem resistência,
tenho tomado banho frio, a resistência queimou a mais de dois
meses, só compro uma nova quando o inverno chegar! Essa
não é hora nem é lugar de pensar nessas coisas! Mas não
consigo controlar nem afastar esses pensamentos. Tomo mais
um gole olhando para as moças.
As pessoas não sabem da gente e acham que a gente é
coisa que presta. Coisa que valha! Só a gente sabe o que a
gente é e sente nesses momentos. O velho ditado diz que,
quem ver cara não ver coração. Melhor seria nem ver a cara.
Evitaria mexer com o coração! O coração as vezes presta
tanto, mas se engana com a cara. No meu caso nem era a cara
nem tampouco o coração, mas a situação financeira. Ali eu era
um nada no meio do mundo, sentia-me assim, a possibilidade
de uma companhia feminina expressada nos olhos daquela
moça, numa noite tomada pelo tédio, melhor nem ver a cara
dos olhos que me sorriam.
Os pensamentos continuavam a me maltratar. Revelandome
o que eu era num momento e num lugar errado. Mas eu era
isso e não havia como me negar. Sofá na sala não tenho.
Apenas uma cadeira que faz parte da mobilia do apartamento.
As cortinas também fazem parte da mobilia, mas tão velhas e
sujas que estão se rasgando. Resto de cortinas que não
serviam nem para ser pano de chão. No quarto a mobilia, uma
cama de solteiro e um velho colchão já sem forro, a espuma
cheia de furos. Um guarda roupa sem porta e apenas uma
gaveta, alimentando os famintos cupins silenciosos. Uma
televisão pequena e um velho radio FM, tudo pertencente a
proprietária do imóvel, que me alugara como “imóvel
mobiliado”. E essa era a mobilia. Tenho apenas umas três
peças de roupas, um sapato semi novo e outro velho, este que
estou calçando, e um chinelo de dedo, é tudo que tenho! Volto
a olhar para as moças, aquela continua me olhando,
esperando uma resposta minha ao seu torpedo talvez.
Só tenho o dinheiro dessa cerveja. Não tenho dinheiro
para taxi. Se ela quiser conhecer minha casa ? Levar uma
moça dessa para meu apartamento seria loucura! O que
fazer ?
O garçom servindo as pessoas, a moça insistia em me

olhar, pensamentos cruéis tomando conta da minha cabeça:
“o que seria que ela estava pensando ao meu respeito ?” O
que uma mulher pensa de um homem quanto lhe manda um
torpedo e ele não age ? O garçom se aproximou, pedir que me
fizesse um favor, foi aonde estava a moça, deu o recado que
mandei e ela veio a minha mesa. Sentou-se delicada, tentando
ser gentil, educada e elegante. Pensei.
Começamos a conversar e enquanto a conversa rolava,
por muitas vezes pensei em lhe falar a verdade sobre minha
vida. Para que enganar uma moça tão bonita e gentil ? Fiquei
nessa indecisão sem saber que atitude tomar, sem coragem de
falar o que tinha em mente: a verdade ao meu respeito. No
desenvolver da conversa fui percebendo o que ela queria e eu
queria também, fui me envolvendo e me deixando se envolver,
e lhe envolvendo nas palavras fúteis da ocasião. Como dizer
não a uma mulher ? Mas seria necessário, eu só tinha o
dinheiro da cerveja! O problema é sempre a falta do dinheiro.
O que poderia me socorrer nesse momento ? Um amigo
faz falta nessas horas! Quando a moça foi ao banheiro, pensei
em duas coisas, se um bom amigo aparecesse por ali naquele
momento, pediria-lhe algum dinheiro emprestado. Porem se
não aparecesse nenhum amigo, teria que apelar para algo
horrível, que jamais pensara um dia praticar. O homem chega
a ter pensamentos baixos e a pô-los em práticas para sair de
situações embaraçosas!
Fiquei pensando num jeito de sair correndo daquele lugar,
atravessaria a rua e me perderia na noite, o garçom talvez me
seguisse gritando, cobrando-me a conta. Ninguém me
conhecia naquele local. Nunca havia freqüentado esse bar.
Que cena horrível! Que vergonha! Olhei para o rapaz
atendendo as outras pessoas e me sentir envergonhado. Seria
muita baixeza! Mas como sair dessa situação ? Contar a
verdade para a moça ? Seria talvez mais cruel. Dizer por
exemplo que não tinha dinheiro para pedir outra cerveja. Não
podia pagar um taxi para levá-la para casa.
Sabia das suas intensões. Também eram as minhas. Era a
primeira vez que a gente se encontrava. Mas hoje em dia as
coisas são assim mesmo. No primeiro encontro as pessoas se
entregam às intimidades. Mas como levá-la para um hotel ?
Nem podia convidá-la à minha casa. Não havia outra
alternativa se não sair correndo desse lugar, como quem
comete um crime. Precisava coragem, para qualquer decisão,
a de fugir ou a de encarar a verdade. No momento de descuido
do garçom, sairia de fininho, como quem não quer nada,
passaria àquela porta e depois de por os pés na rua, ninguém
mais me pegaria. Nunca mais retornaria a esse lugar.
Mas teria que tomar essa decisão e agir antes da moça
voltar do banheiro. Se um amigo não aparecia naquele lugar
nesse momento, o jeito era apelar para a covardia. Olhei para
as ruas e estavam pouco movimentada. Já era tarde. O garçom
estava no outro canto, distraído, servindo as pessoas, nem ia
perceber a minha saída. Sairia devagarzinho. Caso olhasse,
fingiria ir ao banheiro. Mas o banheiro estava do outro lado. O
garçom não notaria minha saída. Nunca havia feito algo
parecido. Não sabia como agir caso não desse certo. Mas
daria certo. Teria que ter coragem. Criei coragem. Seria agora.
Dei uma olhada rápida no ambiente para me certificar onde
estava o garçom e se não havia ninguém no bar me olhando.
Me levantei de onde estava sentado e... "continua "

O TÉDIO - terceira parte
AUTOR: Pedro Aruvai
05 de julho de 2010

segunda-feira, 10 de maio de 2010

O tédio - parte 2

foto de Pedro Aruvai


UM CONTO CONTADO ASSIM.

O TÉDIO - parte - 2


Alguns passos pelas ruas bastam para perceber o tédio das ruas. Ruas todas iguais, mal iluminadas por luzes artificiais indecentes! Insetos voam em volta na sua estupidez, querendo ser importante, vencer a luz das lampadas. A cidade tem cores estranhas, ruídos incomuns, vozes pluralistas, figuras mal desenhadas, traçados tortos, esquinas indesejáveis, casas mal construídas misturadas a edifícios luxuosos, ambiente poluído, corrompido, perversões, ruínas, destruições, calçadas sujas, paredes pichadas, mentes perigosas, olhares traiçoeiros, pessoas tristes, pessoas alegres, pessoas solitárias em meio a multidão, desconhecidas de si querendo conhecer alguem, enfim a cidade é um misto de tudo que é bom de tudo que é ruim.

As pessoas são objetos do substantivo composto, umas sem verdade no rosto, pintadas para esconder o tédio, sorridente para disfarçar o medo, são sobreviventes aos quarenta, na insistência de encontrar um grande amor, que não seja tão grande, mas que seja tão bom quanto imagina. O amor é quase pecado para quem busca, quem oferece desconhece as razões do amor e se entrega as paixões revividas nos dias de angustias e tédio para alimentar a fome da carne, que tem desejos insaciáveis. Ando observando tudo! O argumento do mundo movimentado em silencio, e o silencio do movimento para movimentar o mundo. Estico o passo para não ser surpreendido por veículos. Os veículos são maquinas de metais conduzidas volúveis.

A luz vermelha do sinal que acende para segurar os veículos das ruas não são reconhecidas pelos veículos. Desobediência, buzina, aceleração, frada brusca, qual a razão de tanta impaciência com um sinal eletrônico ? Há quem gostaria de abrir o semáforo para passar sozinho, ir embora ao seu destino, as outras pessoas que ficassem paradas esperando a luz verde acender. O mundo deveria ser somente dessas pessoas! Por que tem filhos ? Por que tem amigos ? Por que moram em cidade ? Por que convivem com pessoas, parentes e vizinhos ? Somos todos bem parecidos, por isso somos todos diferentes!

A faixa de pedestre quase apagada. Não reclama de nada. Quantas pessoas pisam essa faixa por dia ? Quantos pneus sobre ela passam ? É apenas listras brancas de tintas sobre um asfalto preto, dia e noite, não muda a cor, e quando muda é porque está sendo acabada. O tédio faz ver essas coisas! Ouvir palavras! Sentir vontades! Querer fazer, mas frear os pés para não cometer loucuras! Reparar numas moças que passam, salto alto no asfalto faz barulho. O equilíbrio da mulher! Toda mulher é antes de tudo uma equilibrista. Se equilibra sobre esses altos saltos e caminha com toda naturalidade humana, umas até desfilam, sem tropeços nem mudança de rota, impressionante como o cérebro da mulher prepara o corpo para o equilíbrio do salto alto.

A realidade visualística do mundo atual é enganadora. É preciso ter cuidado com as coisas que se ver. Nem tudo é o que parece. E o que parece nem tudo pode ser! Há pessoas que gostam de ser diferente! O importante é ser, alguma coisa que mude o tédio. O jeito de ser o mesmo todos os minutos de todos os dias entedia. Fico com as mulheres! Melhor imaginar que sejam mesmo fêmeas! Pelo equilíbrio nos saltos. Pela maneira leve do andar. Pelo mexido dos quadris! O tédio não pode contrariar as coisas. Deixe os olhos se enganarem. A noite favorece o engano. O dia é claro, muitas vezes não esclarece nada, o esclarecimento vem depois. O depois as vezes é dolorido e perigoso.

Sacos de lixos acumulados pelas ruas. Exemplo de uma sociedade sem exemplo. Cachorros farejam os restos da miséria humana. Como a miséria humana fareja a vida do luxo. Vitrines coloridas! Luzes brilhantes se derramam para encantar os olhos do tédio. Parado olhando meu rosto no vidro. Vontade tenho de quebrar essa vitrine. Quebrar tudo lá dentro. Fazer uma grande bagunça. Atear fogo nos artigos de luxo. Pedir socorro para os bombeiros e ficar olhando de fora a situação. Dá entrevista para algum repórter da televisão, aparecer nos noticiários da noite. O repórter prepara a notícia para me entrevistar: aqui tem um rapaz que viu tudo o que aconteceu. E pergunta:

-você viu o que aconteceu ?

-sim vi. Um sujeito ficou aí parado por muito tempo...

-o que ele fez ?

-bem... depois de muito olhar para as vitrines, resolveu quebrar os vidros.

-como ele quebrou os vidros ?

-pegou uma pedra na rua e arremessou contra a vitrine.

-e depois o que ele fez ?

-entrou na loja e começou a quebrar tudo. Fez toda a bagunça e por fim ateou fogo.

-e você chamou a polícia ?

-foi... fiquei assustado, mas corri àquele orelhão e chamei a polícia e os bombeiros, quando ele ateou fogo e o fogo começou a queimar tudo...

-e o homem que fez isso, você viu para onde foi ?

-para aquele lado ali...

-como ele era ?

-um sujeito alto, magro, branco! Um cara muito estranho.

O repórter para de me entrevistar, começa a falar direto para a câmera para encerrar a matéria, fico por ali já pensando em me ver na TV algumas horas depois. Enquanto isso aprecio o trabalho dos bombeiros, apagando o fogo, a agitação da policia, a aglomeração das pessoas que adoram esses acontecimentos, sempre se juntam para apreciar essas coisas nesses momentos, a lamentação dos donos da loja. Esperava mais repórter de outras Tvs me entrevistando, queria aparecer em todos os canais, mas somente um repórter de uma TV que apareceu e me entrevistou.

No meio fio paralelepípedos enormes sorrindo. Estão todos seguros pelo asfalto, difícil de ser movido. Arrancar uma pedra dessa não é tarefa fácil. Parece que aparecer na televisão não é tão fácil assim! Ouço o barulho do choque da pedra contra o vidro da loja, o vidro quebrando, os pedaços caindo, o tédio sorrindo. Passo a mão no vidro da vitrine, a superfície plana, lisa, quente, aquecida pelas luzes que brilham lá dentro. Pessoas passam devagar, outras param olhando as vitrines, apontam para os artigos expostos, falam coisas, olhos desejosos; brinquedos, jóias, tênis, sapatos, roupas e muitas coisas inúteis para se vender. Umas vão, outras vem, acompanhadas, sozinhas, olhando os artigos das vitrines...


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O tédio - partde - 2
Autor; Pedro Aruvai
Maio de 2010


terça-feira, 20 de abril de 2010

O tédio



UM CONTO CONTADO ASSIM.

O tédio


A noite estava um tédio. Dessas noites imperfeitas para a gente mas perfeitas para o tédio nos entediar. Quando se espera um telefonema, o telefone não toca. Ninguém aparece. Ficar sentado no sofá olhando a TV quase sempre repetindo coisas. Coisas repetidas são chatas! Tediosas! Já tantas vezes vistas! A programação repetida na TV é um saco! A mesma programação de sempre, os mesmos personagens, as mesmas historias, os mesmos comerciais... a TV é um tédio!

As paredes do quarto de tão conhecidas parecem aborrecidas. De tão olhadas pelos mesmos olhos já não se ver nem mais desenhos estranhos nelas. Os desenhos sumiram! Se desfizeram e não se fazem mais! Até os desenhos deixaram as paredes. Entediados desse quarto, de mim, de meus olhos que tanto encontrava-os, nos seus contornos silenciosos, nos seus mundos abstratos desconhecidos. Encontrava-os sem procurá-los. Se mostravam, queriam aparecer, eram desenhos inúteis talvez querendo ser arte, agora que procuro eles não aparecem. Talvez tenham ficados aborrecidos comigo!

Se raciocinassem, se pensassem, fossem conscientes, poderiam achar que eu sou mais inútil que eles. Mas eles são apenas figuras criadas, encontrados nas paredes onde as vezes nem há desenhos. Mas eles existem, estão lá, olhando quem lhes olham, nem todos estão prontos, alguns são apenas rascunhos, que mudam de forma dependo do grau de visão de quem lhes olham. Não foram desenhados por nenhum desenhista, por isso são livres, a maneira que se mostram para os olhos de quem quer ver. De quem sabe ver. Figuras estranhas e até vulgares, nenhum santo!

Velhas paredes que não saem do lugar. Não falam, não gesticulam, não riem, são paredes! Espera-se pelo menos um pedaço do reboco caindo. Não cai! Insetos voam para aborrecer os ouvidos. Insetos tem asas e homem não tem! As horas correm depressa e sem frescura. Se amarrassem os ponteiros ou parassem os relógios digitais as horas continuariam passando! Os relógios não são os donos do tempo, eles apenas marcam o tempo que passa. Desligar a TV é a melhor solução. Olhar para a rua pela janela para ver a mesma rua de sempre. As mesmas pessoas. O barulho dos mesmos motores. Tudo é o mesmo tédio! O tédio é angustiante. Sair ? Parece ser a única saída!

A cidade oferece muita coisa. Tudo coisas velhas, repedidas, pessoas bêbadas, irritante, falando besteira, nos balcões, nas cadeiras às mesas dos bares. Mulheres feias dando risada. Mulheres bonitas falando com orgulho, olhando por cima dos ombros para ver entrar algum homem bonito. Tudo é chatice desse mundo tedioso! Se chega a conclusão que o mundo é um saco! Respirar fundo não é o remédio. Tomar agua da geladeira também não quando não se tem sede. Agua gelada dói nos dentes! E só tem gosto de agua gelada. Qual é o gosto da agua gelada ? Passa pela goela e vai embora matar a sede.

Comer chocolate. Sorvete! Qualquer coisa que mude o gosto da boca e a vontade de dá um grito. Os vizinhos escutarão e pensarão que é loucura. Os vizinhos adoram a loucura dos outros! Carniceiros de plantão! Estás enlouquecendo ? Mundo de merda! Fechar a janela batendo com força para satisfazer a raiva. Dá um chute no sofá. O dedo do pé dói. Já é alguma coisa. A dor é sempre alguma coisa a mais! Mas não muda nada. Não socorre as vítimas do sofrimento. A dor só tortura quem já é vitimado! Para que a dor ? Se tivesse dinheiro tudo mudaria, talvez!

Tudo é a droga do dinheiro. Então não há tédio. O tédio é a falta dessa droga chamada dinheiro. Pessoas que tem dinheiro estão se divertindo agora. Bebendo qualquer porcaria, uísque, cerveja, chope, champanhe, acompanhado de amigos, belas mulheres, dançando, sorrindo... então o problema é a falta do dinheiro. Todo mundo sabe disso! Para que repetir ? Cuspir para cima para ver onde vai cair o cuspe. Não é a solução. Sair parece lógico. Qual é a logica do tédio ? Não há logica, é só para entediar.

O tédio pode ser esse quarto, essa casa, esse lugar rodeado de paredes sem desenhos. Está sozinho, o tédio vem fazer companhia. A rua oferece um monte de besteira para se ver, para se fazer, o que se faz na rua quando se está entediado ? Ver as pessoas! Cansado de ver gente. As ruas. Cansado de ver ruas. Como se os olhos não estivessem entendiado de ver essas coisas tediosas todos os dias, como um filme repetido diariamente! Casas, prédios, avenidas, pessoas indo e vindo, carros passando, um tédio!

Tomar uma cerveja. Pegar a carteira, olhar o dinheiro, é pouco o dinheiro que tem, mas dá para uma cerveja. Calçar os sapatos, procurar uma camisa. Qualquer uma! Está boa essa! Pegar as chaves da porta. Ainda pensar: a rua é a solução para o tédio ? Vamos ver! Arriscar abrir a porta e sair, fechar a porta e caminhar pelo corredor até o elevador. Apertar o botão do elevador, esperar uns segundos, portas se abrindo no corredor, pessoas falando, caminhando pelo corredor. São vizinhos que estão vindo tomar o elevador. Não querer encontrar vizinhos nesses momentos, é bom evitar!

Descer pelas escadas. Parado no andar de baixo, as pessoas ainda estão no andar de cima, conversando, segurando a porta do elevador. Continuar a descer pelas escadas. Cada degrau que desce da escada falando baixinho um palavrão. A luz automática apaga. Esperar acender, ninguém acende. Ficar no escuro, descer as escadas no escuro. Antes de tropeçar no degrau de baixo, resolver acender as luzes das escadas. Luzes apagadas é uma droga! Não se enxerga quase nada! Chegar a portaria. Passar pelo portão e ganhar a rua. A rua é a mesma, como sempre, o movimento de gente que não sabe o que quer. É o tédio das ruas. Carros e pessoas passam. Ficar um tempinho em pé na calçada, decidindo para que lado seguir.

Pessoas passam para todos os lados. Tanto lado existe nessa cidade e as ruas levam a todos os lados. A decisão é sempre por um lado e não se sabe porque se escolhe esse lado para seguir. Levado pelos pés, as pernas tem culpa, o desejo da mente, que decide, dos olhos que escolhem, que ver e guiam. Os braços que não sossegam, sempre balançando, para frente e para trás. Esse é o destino decidido a tomar, sem se perguntar por que. Segue-se a esmo, porque é sempre a melhor direção, o esmo, o destino de todos os destinos, que nos leva a todas as direções. E a direção mais certa nesses momentos é não ter uma direção certa...

"UM CONTO CONTADO ASSIM"

-O tédio-

"Terça-feira, 20 de abril de 2010"
"Autor: Pedro Aruvai"

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O cadastro




UM CONTO COTADO ASSIM
"O cadastro"



Nos dias de hoje as pessoas andam meio desesperadas,
querendo vender de tudo, comprar de tudo,
conseguir algum dinheiro, para isso fazem qualquer coisa.
O comercio para vender seus produtos ataca as pessoas,
aborda a todos sem cerimônia e já vai expondo tudo o que
acha que a pessoa precisa para comprar.
O mundo do comercio está totalmente enlouquecido!
Fazem qualquer cadastro, qualquer ficha a qualquer pessoa,
mesmo sem a pessoa querer e sem saber para que serve.
Cadastro para cartão de crédito, para empréstimo, para pesquisa, para sorteio, para vantagens sabe-se lá do que, é impressionante!
Outro dia só porque me encostei num desses balcões onde
ficam desses atendentes, sem nenhuma intensão, veio logo
um moço me atender. Sem que eu pedisse-lhe nada, sem lhe chamar para ser atendido, o rapaz chegou e foi logo me atendendo.
Pegou duns papéis, desses de fazer fichas, cadastros e etc e começou a escrever. Enquanto preenchia o cadastro que não sei para que era,
me falava um monte de coisas, das ofertas, das promoções, das vantagens, dos benefícios, das promessas maravilhosas do mundo comercial. Escutava-lhe calado, observando o seu preenchimento e ouvindo suas palavras rápidas sem entender quase nada.
Por fim parou por um instante e perguntou meu nome.
Por educação resolvi falar, já que eu estava ali,
não havia problema algum.

-Machado de Assis. -disse-lhe.
De imediato começou a escrever meu nome nos quadrinhos
das folhas de cadastro. Mas percebi que ficou meu confuso,
talvez tenha achado estranho esse nome.
Olhou-me, certamente pensou em falar algo, não falou,
escreveu meu nome no papel.

-José de Alencar. -disse-lhe quando vi que havia terminado
de escrever o Assis.

-Como ? -indagou confuso, me olhando.
-José de Alencar. -repeti.
-José de Alencar ? -perguntou me olhando ainda mais confuso.
-não é Machado de Assis, o seu nome ?
-Sim. -disse e lhe expliquei- Machado de Assis, José de Alencar. -concluir.
Percebi que quis sorrir, mas conteve-se e completou o nome,
certamente pensando ser uma brincadeira. Quando acabou,
eu concluir o resto do meu nome.
-Cruz e Souza.
Nesses cadastros é preciso deixar o nome completo.
Pelo jeito que me olhou deve ter me xingado. Eu devia está
zoando com a cara dele. Ficou meio sem vontade de escrever
o resto do nome. Balançando a caneta na mão, me olhando sem
saber o que perguntar. Resolvi lhe ajudar, disse-lhe ser meu
nome de verdade, meu pai se chamava Machado de Assis, José
de Alencar. De imediato ele me perguntou:

-E Cruz e Souza ?

-de minha mãe. -respondi.

Não muito satisfeito completou meu nome na folha de cadastro. Passou-me os papéis e disse para falar com a moça no outro balcão. Peguei os papéis, ainda não sabia o que era aquilo, para que servia, mas resolvi ir até a moça. A moça me pareceu simpática, bonita, e para ser aprovado precisava passar por ela. O cadastro estava pronto, não me custava nada ir a moça. Me recebeu com simpatia, sorriso no rosto, entreguei-lhe os papéis. Olhou direto no meu nome.
-então senhor... Machado de Assis ?
-sim. -respondi tranquilo.
Percebi que quis sorrir. Talvez quando leu o resto do nome.
-José de Alencar. -quase num murmurio, ela falou.
-também. -respondi.
-eram escritores, não eram ?
-meu pai.

-os dois ?
-não! Quero dizer: meu pai me deu esse nome.

-mas os dois eram escritores...
-sim. Claro!

-e Cruz e Souza ?

-poeta.

-seu pai era poeta ?

-não! Cruz e Souza era poeta.

-então seu pai homenageou os três ?

-minha mãe.

-como assim ? O senhor disse que foi seu pai...
-Machado de Assis e José de Alencar, do meu pai. Cruz e Souza,
de minha mãe. Entendeu ?

-entendi.
-respondeu meio confusa, me olhando de soslaio,
a moça olhava meu cadastro, que ainda eu não sabia se era
cadastro ou ficha e para que servia.

-então, senhor Machado, o que vai comprar na nossa loja hoje ? Aproveite nossas ofertas!

-nada!

-nada ?
-nada. Não preciso comprar nada.

-o senhor só veio fazer o cadastro...

-é... fiz! O moço ali insistiu tanto...

-o senhor trabalha no que ?

-não trabalho.

-não trabalha, senhor Machado ?
Me olhava de soslaio, indagativa, me prescrutando, revirando
os papéis do cadastro nas mãos.

-não. Sou aposentado. -respondi.

Fixou os olhos em mim, pareceu espantada.
-aposentado ? Mas me parece tão moço. Não tem registro
em carteira ?

-não.
-comprovante de renda ?
-não.

-e o comprovante da aposentadoria ?

-não tenho comprovante.

-como assim ?
-não recebo comprovante. Eu mesmo me aposentei.
Por conta própria. Resolvi não trabalhar mais. Então estou aposentado.
-entendi... -murmurou a moça, olhando-me de lado,
quando colocou os papéis sobre o balcão e disse: -já que o senhor
não tem comprovante de renda...

-não posso me cadastrar ?

-infelizmente, senhor Machado...
não posso aprovar o seu
cadastro sem um comprovante.
-tudo bem.

-mas se o senhor quiser, volte aqui outra hora, traga um
comprovante de renda que nós aprovaremos o seu cadastro.

-obrigado, moça.
-de nada.

Antes de sair da loja, um outro fazedor de cadastro me parou,
com sua prancheta na mão e uma caneta.

-Já fez seu cadastro ? Vamos fazer ?

"UM CONTO CONTADO ASSIM"
-O cadastro-
"sexta-feira, 02 de abril de 2010"
"Autor: Pedro Aruvai"

sábado, 20 de março de 2010

terça-feira, 12 de janeiro de 2010